As coisas não acontecem por acaso… excepto este nosso novo blog!

Somos duas colegas ‘de números’ que partilham uma paixão comum: a escrita! Ambas gostamos de escrever e de ‘devorar’ livros como se não houvesse amanhã e, numa conversa que pensávamos ser inconsequente, desafiámo-nos uma à outra para escrever ‘Histórias a Quatro Mãos’…

O que nos propomos fazer é muito simples: vamos escrever histórias, em parceria improvável, testando os limites e a imaginação de cada uma. Cada uma de nós vai ser desafiada pela outra a dar seguimento a uma narrativa, cujo final será sempre um mistério, quer para as autoras, quer para os leitores.

Convidamos os nossos seguidores a irem opinando sobre o que vão lendo e dando sugestões.

Esperamos que seguir este blog seja uma experiência tão interessante quanto certamente será escrever tudo o que aqui irão ler!

sexta-feira, 19 de abril de 2013

16 - Um final de dia inesperado... ou não...

Pareceu a Mara que John passara pela porta do seu gabinete como um furacão, pois quando se apercebeu da sua saudação e olhou lá para fora, já nem sequer o viu, mas viu Sarah a passar carregada de pastas e segui-lo. Segundos depois ouviu a porta dele fechar-se com um estrondo.
Mara ficou atrapalhada perante Robert, e não teve outra reacção senão encolher os ombros.
- Bem Robert, entrego-lhe então o cartão que lhe pertence e ajudo-o a levar para o seu atelier estas flores lindíssimas. Peço-lhe imensa desculpa por não lhe ter dito nada durante o dia, mas de facto foi impossível – tive um dia de loucos!
- Ora essa, Mara! Não tem problema nenhum… parece-me que vou ter mesmo é uma missão pela frente de descobrir quem é que me admira assim tanto ao ponto de fazer uma coisa destas!
Ambos riram, encaminhando-se para a porta, levando algumas jarras de flores com eles. Juntos, ainda fizeram três viagens de transporte de flores para o seu destino final, rindo e conversando amigavelmente. Quando Mara pousou as últimas flores em cima da mesa de Robert, este disse:
- Obrigada pela ajuda, Mara. No entanto tenho que lhe dizer que, para mim, o ponto alto do dia foi ter recebido o telefonema da sua assistente e ter tido a oportunidade de conhecê-la a si… a Mara é um encanto! Não estranhe se um dia lhe encherem também o seu gabinete de flores…
Mara corou com o elogio – o que é que se passava com ela, que ultimamente parecia exercer um poder de atracção com todos os homens que a rodeavam? Despediu-se, meia atrapalhada, e desceu ao andar de baixo, pronta para colocar um ponto final no seu dia de trabalho. Ao chegar à porta da Booky, encontrou Sarah de saída que, mal a viu, suspirou e revirou os olhos:
- Aviso-te já que ele está mal-disposto! – disse Sarah, rebuscando ao mesmo tempo a sua mala, aparentemente à procura de algo – Não sei o que é que lhe deu, mas entrou aqui e parecia bem disposto, atravessou o corredor e quando o reencontrei já no gabinete dele, estava com a mão na porta à minha espera, de cara zangada e de seguida bateu a porta! Ah! Está aqui o meu telemóvel! Que cabeça a minha! – exclamou, exibindo a Mara o seu troféu electrónico - Olha, pediu para falar contigo antes de saíres… boa sorte! Com aquele mau humor, espero que não te contagie a ti também! Até amanhã!
Mara sentiu-se subitamente nervosa. Balbuciou um ‘Até amanhã’ a Sarah e dirigiu-se ao seu gabinete com passos lentos. De alguma forma estava a tentar ganhar tempo, pois durante todo o dia não tinha pensado como iria reagir ao encontrar-se com John. Começava a ficar ansiosa e veio-lhe logo à cabeça os acontecimentos da noite anterior e o beijo trocado com John. Mara sentou-se à secretária e levou inconscientemente as mãos aos lábios. Desligou o seu computador, arrumou as suas coisas, meteu na sua pasta um manuscrito novo para começar a ler à noite a pedido de John, projectando já na sua mente o design da capa tendo em conta o título provisório e, quando finalmente achava que estava pronta para enfrentar John, viu-o parado à entrada do seu gabinete, descontraidamente com as mãos nos bolsos e encostado à soleira da porta, observando-a.
- Pensava que já tinhas saído. – disse ele finalmente, sorrindo. Estava claramente com um ar cansado. O que lhe dava um ar estranhamente… sensual, pensou Mara.
- Há quanto tempo estás aí? – perguntou Mara, sentindo o seu coração acelerar, e o seu rosto a ficar corado, remexendo nervosamente em alguns papéis em cima da sua secretária, na tentativa de quebrar a troca de olhares. Nunca antes tinha dado conta que John era tão atraente. Para ela, ele era simplesmente seu amigo e irmão da sua amiga Anna. Quando é que ele tinha ficado com um sorriso tão cativante? Desde quando é que ele era tão… giro?
- Há tempo suficiente. – disse John, entrando no gabinete dela e aproximando-se da sua secretária. – O que é que aconteceu a todas as flores que estavam aqui há pouco?
- Nem vais acreditar! É uma longa história. – afirmou Mara, sentindo-se nervosa com a proximidade dele, e começando a falar algo atabalhoadamente, que não era nada seu hábito – Foi um mal entendido terem vindo aqui parar, mas o que importa realmente é que já estão no piso de cima, no gabinete de um dos arquitectos, que era efectivamente o verdadeiro destino delas! De facto, com o transporte das flores para cima, nem me dei conta das horas. Já é tarde, vou ter mesmo que sair, mas a Sarah disse-me que tu querias…
Ela nem se apercebeu, no meio do seu discurso nervoso, que John se tinha aproximado ainda mais e que não a tinha deixado acabar a frase, tocando no seu rosto delicadamente para o levantar e selando as palavras dela com um beijo. Desta vez, não tão leve e casto como o da noite anterior, mas sim cheio de desejo. Mara abandonou finalmente as suas defesas e deixou-se levar. Instintivamente rodeou o pescoço dele com os seus braços e nada mais existia à sua volta senão ela e ele, juntos, naquele momento.

15 - Surpresas

 O envelope estava em branco, mas a letra da mensagem que trazia lá dentro era rebuscada e elegante.
“ Querido Robert, recebe estas flores como prova do meu encantamento por ti. Todos as manhãs enches o meu coração de felicidade. Só de te ver! Imagino como será quando ganhar coragem para falar contigo! Um beijo doce da tua admiradora”
Bem, a letra rocambolesca pertencia não a um admirador de Mara, mas a uma admiradora de Robert. Mara sentiu-se uma idiota por pensar que todas aquelas flores eram para ela. Eram para um tal Robert. Mas que Robert? E porque se enganou o florista deixando perfumado o seu gabinete? Sarah estava à porta do gabinete ansiosa por saber de quem era a surpresa. Não tardou a ficar desiludida quando percebeu que toda aquela demonstração de carinho, afeição, amor, não eram para Mara. Todas as histórias românticas que brotavam no seu pensamento segundos antes sofreram de uma morte súbita e deprimente.
Quando Mara lhe perguntou se conhecia algum Robert no edifício, Sarah, que conhece tudo e todos, indicou-lhe logo Robert Feist do gabinete de arquitectura que ficava mesmo por cima do escritório deles. Talvez o florista ou a admiradora, ao que parece envergonhada, se tivessem enganado no piso. Mara decidiu que iria ao gabinete do tal Robert para lhe explicar o equivoco e revelar a surpresa que tão fervorosamente a ele lhe era destinada. Mas mais ao final da tarde. Ainda tinha muito trabalho para despachar até então e um telefonema prometido a Anna.
Por entre análises de originais, preparativos para lançamentos de obras e muitos emails para responder, Mara ficou a saber que a urgência de Anna era um convite para jantar em casa dela nessa sexta-feira. Sinceramente! Se um dia Anna lhe ligasse com uma verdadeira urgência, corria o risco de Mara não acreditar. Aceitou o convite, tendo ficado de levar uma tarte de maçã e dois CD’s de musica Jazz que Sarah lhe pedira emprestados.
A sua tarde tinha sido mais longa do que contava. Talvez Robert Feist já não estivesse no seu gabinete aquela hora, mas mesmo assim pediu a Sarah que tentasse contactá-lo e lhe pedisse que descesse ao seu gabinete. Ouviu a voz animada da assistente falando ao telefone e, pelo seu tom, tivera não só sucesso em apanhá-lo no escritório, como em convencê-lo a descer sem saber o motivo.
Mara ainda teve tempo para ultimar um email de resposta a um aspirante a escritor que acabava de ser rejeitado antes que um Robert diferente do que imaginara aparecesse à porta do seu gabinete. Robert Feist, o arquitecto, não tinha barriga redonda nem blaser de xadrez, mas acertara no cabelo grisalho.
- Boa tarde! Mara? – perguntou ele.
- Sim, sim, sou a Mara. Entre, entre! – disse Mara sem conseguir evitar um sorriso de gozo ao ver a expressão um pouco embasbacada de Robert ao ver a decoração exageradamente colorida e perfumada do seu gabinete. – Para uma pessoa ligada à arquitectura e decoração suponho que não aprove o estilo do meu gabinete!
Robert continuava ligeiramente boquiaberto apreciando o jardim interior com que se deparava. Apertou a mão que Mara lhe estendera dizendo:
- A minha especialidade não é arquitectura paisagística, mas certamente eu não teria feito o projecto assim! – respondeu-lhe Robert com boa disposição.
- Pois, mas olhe que esta decoração peculiar deve-se a si, Robert.
- A mim! Não percebo.
Mara estendeu-lhe o bilhete que encontrara horas antes na sua secretária e explicou:
- Todas estas flores lindas são para si. Um presente da sua admiradora desconhecida. Bem, pelo menos para mim. O Robert talvez a conheça!
Enquanto lia o bilhete ele abanava a cabeça divertido.
- Não, honestamente, não faço ideia de quem sejam!
Mara ia dar-lhe algumas pistas para descobrir a autoria daquela surpresa (seria alguém que costuma vir com ele no metro, alguém do trabalho…), mas foram interrompidos por um “Boa noite” mal humorado de John que acabara de chegar ao escritório.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

14 - Uma noite longa... e o dia seguinte...

Sentindo-se revitalizada pelo seu longo passeio nocturno, Mara entrou em casa já a madrugada ia avançada, para se preparar para o seu dia de trabalho. Há anos que ela tinha este hábito – sempre que precisava de pensar, ou quando estava incomodada com alguma coisa, caminhava sem parar e sem destino, até que o cansaço físico conseguisse a proeza da dormência dos seus pensamentos e, de alguma forma, também dos seus sentimentos. E resultava sempre. Apesar de cansada, quando entrou em casa, sentia-se menos aborrecida com Daniel e decidida a seguir em frente na sua nova vida sem ele. Se era o que ele queria, se ele a estava a dispensar, era porque estava decidido a viver a vida dele e a esquecê-la, e ela não queria de forma nenhuma ser a parte encalhada eternamente à espera que Daniel viesse a correr para os seus braços, se declarasse por fim e admitisse que a amizade que os ligava desde sempre era na verdade mais do que isso. Que ideia estupidamente romântica e absurda! Se isso não tinha acontecido até à data, agora com Daniel longe, a probabilidade de acontecer era ínfima. Mara sentia-se ridícula ao acalentar secretamente essa esperança e estava terminantemente decidida a seguir em frente. Ou pelo menos a tentar. E a baralhar ainda mais a sua confusa cabeça, estava John. Durante o seu passeio nocturno e a sua introspecção, várias vezes lhe vieram à cabeça ‘flashes’ da aula de salsa, das gargalhadas de John e, raios, daquele beijo tão inquietante e estranho.
Mara tinha naquela manhã uma reunião ao pequeno-almoço, antes de ir para o escritório, com um autor que estava prestes a ver a sua primeira obra publicada pela Booky, em que Mara lhe iria apresentar as suas propostas para a composição gráfica da capa do livro. Resolveu então ser prática, tomar um duche rápido, vestir-se e encaminhar-se para o Starbucks, em Regent Street, onde tinham combinado encontrar-se.
A manhã passou rapidamente, e a reunião correu bem, tendo Mara já chegado perto da hora de almoço ao escritório, onde na recepção tinha uma Sarah muito sorridente à sua espera. Sarah trabalhava na editora desde o dia, há quase um ano atrás,  em que as portas da Booky se abriram pela primeira vez. Era uma loira, com feições tipicamente inglesas, muito extrovertida, divertida e curiosa. A sua vida era uma autêntica avalanche sentimental e vibrava com as histórias dos outros. Mara sabia que ela tinha uma paixão secreta por Daniel.
- Mara! – exclamou Sarah assim que a viu – Nem vais acreditar se eu te contar. Por isso nem te vou contar, vou deixar-te simplesmente entrar no teu gabinete e ver com os teus próprios olhos! Mas antes de ires, tenho recados para ti, preciso que me assines uns papéis e tenho imensa correspondência para reveres. Depois precisamos de ver a tua agenda, porque aparentemente vais ter que viajar para a semana que vem… o John disse-me que falasse contigo e víssemos juntas que dias mais te convêm… mas é melhor não deixarmos isto para mais tarde, senão vai ser difícil marcar hotel e os voos…
Mara respirou fundo. Às vezes era extremamente cansativa toda aquela energia de Sarah, especialmente quando a noite anterior fora longa e os efeitos da privação de sono se faziam já sentir. Mas não ficou indiferente ao nome de John no meio do discurso de Sarah. Era estranho como o nome dele lhe provocava agora um calafrio e uma sensação diferente. E era mais curioso ainda, porque desde que Anna lhe tinha apresentado John, que o nome dele era uma presença normal no seu dia-a-dia.
- Ah! E quase me esquecia… a Anna ligou. Aparentemente tem urgência em falar contigo, diz que é mesmo MUITO importante… - informou Sarah, interrompendo os pensamentos de Mara.
- O bebé! É alguma coisa com o bebé!? – perguntou Mara subitamente alarmada com a urgência de Anna em falar com ela, pegando de imediato no seu telemóvel e vendo que tinha 5 chamadas não atendidas de Anna naquela manhã.
- Não é nada com o bebé – descansou-a Sarah, pegando num bloco de notas procurando atabalhoadamente uma determinada folha e ficando logo muito corada – mas ela pediu para te transmitir o recado, e vou citá-la palavra por palavra, ‘Aquela ingrata que me ligue com urgência e que seja a primeira coisa que ela faça assim que sentar o rabo dela na cadeira!’
Mara sorriu. Era tipicamente da Anna deixar mensagens destas a embaraçar mais os mensageiros do que propriamente a destinatária. Mara constatou que deveria ser uma típica ‘não urgência urgente’ de Anna, e passou a meia hora seguinte na recepção a assinar papéis e a despachar correio.
- A propósito, o John deixou recado a dizer que estará ausente o resto do dia e que provavelmente só passará pelo escritório à noite para despachar alguma papelada e um ou outro assunto urgente. – mencionou Sarah, provocando um calafrio imediato em Mara.
- OK. Obrigada. O que preciso mesmo agora é de um café e de ir para o meu gabinete. Tenho imenso trabalho hoje, que quero despachar até ao final da tarde. Não quero sair muito tarde. Podemos ver a questão da viagem mais logo? A propósito… que raio de viagem é essa? Ele não comentou nada comigo… - disse Mara evitando pronunciar em voz alta o nome de John.
- Ah! Quase me esquecia! – desabafou Sarah, procurando desesperadamente alguma coisa no meio da sua papelada em cima da mesa – Eu prometo que assim que encontrar os documentos que o John me deixou eu levo-os ao teu gabinete… não quero perder a tua cara quando entrares no teu gabinete! – cada vez que falava na sala de Mara, Sarah dava risadinhas nervosas e entusiasmadas – Mas o John mencionou uma conferência em Nova Iorque para a semana e disse que se estivesses de acordo, ele fazia questão que tu fosses…
Mara encaminhou-se então para o seu gabinete, passando pela copa para preparar um café e, assim que abriu a porta, estacou. Era um cenário inesperado: cada recanto do seu pequeno gabinete estava coberto por flores – flores de todas as cores e géneros. Rosas, túlipas, lírios, margaridas… parecia que tinha acabado de abrir uma florista naquele local! Mara conseguia ouvir as risadinhas de Sarah atrás, mas não tinha discernimento para reagir. Em cima da secretária conseguia distinguir um pequeno envelope vermelho, com o nome dela. Aproximou-se da secretária e, de mãos trémulas, pegou no envelope e abriu-o.

13 - Do Brasil

Ainda encostada à grande porta de madeira, Mara tocava nos seus lábios ainda húmidos, incrédula. Os que estava ela a fazer? A falta que sentia de Daniel estava verdadeiramente a afectá-la, pensou. Mas, curiosamente, com ou sem beijo, a verdade é que durante essa noite mal pensara em tristezas, ou experienciara sentimentos indesejados. Por outro lado, desejo e paz foram as sensações que prevaleceram. Sentiu-se confusa.
Mara estava sem sono para se ir deitar, então, resolveu pôr a correspondência em dia espreitando a recheada caixa de correio. Facturas e mais facturas para pagar e lá no meio um envelope com selos coloridos, para ela desconhecidos. Deteve-se nesse envelope virando-o de um lado para o outro assim que reconheceu a letra de Daniel no verso. Seu rosto iluminou-se na escuridão da casa. Descalçou-se à pressa deixando as sapatilhas espalhadas pelo chão, bem como as suas calças de ganga e casaco de capuz. Quase formavam uma perfeita linha desenhando o trajecto dela até ao quarto. Estendida sobre a cama rasgou efusivamente o envelope impaciente por ver o seu conteúdo.
Uma imagem que lhe era familiar via-se num dos lados do postal que segurava, o Pão de Açúcar, o Rio de Janeiro, localizou. Daniel tinha-lhe escrito, tinha-lhe enviado um postal apesar de andar tão ocupado com o novo projecto!
“ Mara, aqui o calor sente-se no ar, na água, na calçada, nas pessoas! Sinto como se já cá tivesse vivido antes, como se tivesse regressado a uma casa que na verdade não conheço. Ias gostar das praias, da agitação da cidade, do modo de vida descontraído e aberto…e se pensas que eu estava sempre a dançar (mesmo nas alturas menos próprias) havias de ver como é por aqui! Tendo vivido a fantástica experiência dos bailaricos uma só vez, ainda não me sinto capaz de te descrever o que vi, o que senti, os cheiros ou sabores. Atrevo-me a dizer que um escritor, aqueles que tu adoras, teria aqui um orgasmo sensorial. Bem, apesar da letra minúscula com que escrevo, já não sobra muito mais espaço neste postal. Queria dizer-te que, apesar de toda esta vida que me rodeia, não me sinto pleno sem ti a meu lado e senti na tua voz quando falamos que também não estás bem com esta distância. Por muito que me custe, vou sugerir-te que nos deixemos de falar por uns tempos. Penso que talvez nos seja menos doloroso. Talvez seja a atitude errada a tomar, egoísta, um pouco, idiota quem sabe, mas preciso disso neste momento. Será melhor para os dois, vais ver. Eu estou bem, Mara. Não te preocupes comigo e vive a tua vida ao máximo. Quando for a Londres contacto-te, se ainda me quiseres ver depois deste postal. Adoro-te. Daniel”

Mara ficou estática a reler aquele postal. Não chorou, não soluçou. Quando terminou Mara desatou a gritar com um Daniel imaginário. Quem era ele para pensar que podia desaparecer assim da vida dela? Que pensava ele que estava a fazer? A condensar a dor das saudades que sentiriam dia após dia todas numa noite, numa bomba gigante de dor? Não tinham já visto filmes suficientes para perceber que aquilo não iria funcionar?
Se já não tinha sono antes, depois de ler as palavras de Daniel decidira que não dormiria de todo naquela noite. Voltou a recolher a roupa espalhada pela casa, calçou-se e bateu estrondosamente a porta de madeira atrás de si.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

12 - O email que faltava

Anna,
Desculpa só agora responder ao teu e-mail. Não vou justificar a ausência da minha resposta com o facto de não ter tido tempo, ou com qualquer outra desculpa inventada à pressão. Tive sim que reflectir muito bem nas tuas palavras… e desculpa, mas de certa forma permitiste-me não só analisar o que se passa, mas também acalentar alguma esperança…
Mas antes de mais, uma coisa eu quero deixar bem clara entre nós: o facto de ter convidado a Mara para participar no projecto da Booky foi por achar que ela é uma excelente profissional e merece uma coisa melhor do que investir o talento e o tempo dela a desenvolver o design gráfico de um site medíocre sobre revisões literárias que ninguém lê! Já era altura de ela mostrar a todos o que vale e de deixar de se esconder por detrás de projectos de segunda que não lhe trarão nunca nenhum reconhecimento nem nenhuma satisfação profissional. E de forma nenhuma nunca a pressionei nem forcei a nada – o facto de ela se ter convertido em sócia da empresa, foi uma coisa natural, e uma forma de a compensar também por todo o tempo e carinho que ela dedicou ao meu projecto, que agora é também dela.
Posto isto, e independentemente de qualquer sentimento que eu possa ter por ela, tu bem sabes que nunca interferi no relacionamento dela com o Daniel – eu sei bem qual é o meu lugar, e todos nós víamos que aqueles dois sempre foram mais do que amigos, apesar de gostarem de brincar ao gato e ao rato um com o outro. Mas também sabes bem que refreei sempre qualquer avanço que poderia ter feito, por respeito à grande amizade que tenho pelo Daniel.
Relativamente às tuas perguntas concretas, eu falei com o Daniel antes de ele partir e disse-lhe que o apoiava a 100% nesta nova aventura profissional e que achava que era o melhor para ele. Ele confessou que a única coisa que o estava a preocupar era a Mara, que ele sentia que as coisas entre eles estavam diferentes desde o anúncio da viagem dele e que não estava com muita disposição para festas de despedida – que queria dedicar a última noite dele aqui em Londres à Mara, que não queria partir zangado com a sua melhor amiga e que de qualquer forma, não iria ser uma despedida, mas certamente um até breve. E eu respeitei a decisão dele.
Não posso nunca levar a mal o que quer que seja que possas dizer-me – afinal de contas és minha irmã e não poderei nunca levar a mal nada do que a minha irmã mais velha me diz! Mas não posso negar aquilo que tu sabes melhor do que ninguém: que sou apaixonado pela Mara desde o dia em que a vi. E que, depois de ler e reler as tuas palavras, e sabendo que o Daniel agora não está mais entre mim e ela, eu vou tentar a minha sorte… infelizmente para mim, até agora, nunca houve nada mais entre nós do que uma pura amizade… mas vou arriscar e ver se consigo mudar isso. Se ela me valoriza assim tanto, como escreveste no email, pode ser que eu tenha a sorte de a conseguir conquistar…
Almoçamos na sexta feira? Se quiseres, posso dizer à Mara para nos acompanhar… mas quase que oiço os teus pensamentos a gritarem que o que queres mesmo é apanhar-me sozinho para me triturares o juízo!
Adoro-te mana!
Beijos,
John
Antes de pressionar o botão de enviar, John sorriu e pensou se haveria de acrescentar um PS à sua mensagem – Anna ficaria louca ao ler o que a ele lhe apetecia escrever! Eram 2 da manhã e John não conseguia conciliar o sono e deixar de sentir nos seus lábios o gosto do beijo de Mara… e, impulsivamente, acrescentou a seguinte linha ao já longo email:
PS: Liga-lhe… acho que ela é capaz de ter alguma coisa para te contar…
Revivendo milhões de vezes na sua cabeça o que se passara na noite anterior, John acabou por se ir deitar e finalmente adormecer.

11 - Jantar a Dois

A água quente do chuveiro escorria pelo rosto rosado de Mara que, de olhos fechados, se entregava a um emaranhado de pensamentos confusos. Daniel, as saudades, onde estaria? John, a dança, o jantar, que surpresa! Vestiu as confortáveis calças de ganga  e casaco lilás com capuz em gestos automáticos. Não estava vestida para jantar fora!
Ao vê-la chegar à entrada do estúdio de cabelos soltos e molhados com olhos preguiçosos, John sentiu os seus sentimentos semi-secretos por Mara fervilhar. Apetecia-lhe envolvê-la num abraço, sentir o cheiro doce do seu champô, a sua pele macia, imaginava. Mas não o fez. Recebeu-a com um sorriso pateta e caminharam lado a lado pela rua iluminada por lampiões e um sem número de néons.
-  John, desculpa mas eu não estou vestida para ir jantar fora. Estava a contar ir para casa. A não ser que queiras ir à Subway – sugeriu Mara torcendo o nariz.
John, não lhe agradando a ideia de levar Mara a jantar a um sitio tão pouco especial, propôs irem buscar comida a um take-away e jantarem num banco de jardim no parque a caminho de casa dela. Apesar de esse parque lhe lembrar as suas lágrimas, a primeira noite sem Daniel por perto, ela aceitou.
Relembraram juntos a aula de salsa rindo das peripécias dos pares que os rodearam. A noite ia avançando e Mara surpreendeu-se não se ter lembrado das lágrimas ou da solidão. Deixou-se levar pelas gargalhadas partilhadas com o amigo. A certo ponto, já o jantar ia a meio do processo de digestão, estenderam-se na relva lado a lado ignorando os olhares de censura das pessoas que por ali passavam.
- Como é difícil ver as estrelas daqui da cidade! – desabafou Mara num suspiro – Tenho a impressão de que já não vejo o céu, as estrelas ou o luar em condições à mais de uma década. Em Portugal, no Alentejo, onde eu morava, o céu parecia maior, mais brilhante.
- E tens saudades de casa?
- Não! Quer dizer…estou bem aqui e acho que já não me adaptava se voltasse. Mas há coisas de que sinto falta, sabes!
- Das estrelas e do luar? – perguntou John observando o perfil delicado de Mara, torcendo para que ela não notasse e o deixasse fitá-la a noite toda.
Mas Mara teve aquela sensação estranha de quando estamos a ser observados e rodou o rosto fixando John nos olhos. Ele não se intimidou e continuou a olhá-la em silêncio. Seria aquele o momento de lhe revelar, num simples gesto, tocando os seus lábios com os seus, o que lhe ia no coração? Estavam tão próximos, sozinhos sobre a relva daquele jardim, debaixo de um céu algures estrelado…Não teve tempo. Mara sentou-se repentinamente cortando o olhar que partilharam.
- Devíamos ir andando. Amanhã é dia de trabalho.
- Eu acompanho-te a casa – disse John em tom ao mesmo tempo meigo e autoritário, arrependido do momento que deixou passar.
A casa azul com porta alta de madeira  onde Mara vivia estava a uns escassos metros. John sentia o tempo com ela fugir-lhe. Mas não iria desistir tão facilmente. Abafou as palavras de Anna julgando-o que ecoaram na sua cabeça e decidiu-se.
- Boa noite John. Até amanhã. – disse Mara sentindo-se ausente, cansada, por fim.
John não lhe respondeu de imediato. Admirou Mara e seu cabelo encantadoramente desgrenhado com pedaços verdes de relva pendurados. Quebrou esse olhar com um leve beijo que inesperadamente Mara lhe devolveu. Um beijo que terminou tão espontaneamente como começou. Mara entrou em casa fechando a porta sem olhar para trás. John desceu os degraus da entrada da casa azul e percorreu as ruas da cidade sorrindo e com um adocicado sabor clandestino nos lábios. O seu plano teria de funcionar!

10 - Uma agradável surpresa

- Não estava nada à espera de te encontrar por aqui! – confessou Mara, sentando-se no chão, com a garrafa de água na mão, assim que a aula terminou.
- Há muitas coisas sobre mim que tu não sabes! – respondeu John, com o seu ar brincalhão, encostando-se ao espaldar, bebendo da sua garrafa de água e escondendo um sorriso atrevido.
- Mas afinal há quanto tempo é que tens aulas de salsa? – perguntou Mara, curiosa com a performance dele durante a aula, que seria impensável ser de alguém que acabara de se iniciar nas aulas de dança. – É que agora explica-se a tua necessidade de sair a horas pelo menos duas vezes por semana e a tua impossibilidade de marcar reuniões tardias às quartas e sextas!
John riu-se e explicou-lhe que há já algum tempo que frequentava as aulas e que tinha sido consequência de uma saída com Mara e Daniel há quase 1 ano atrás. Ele havia tomado a decisão de se inscrever no ginásio mas, uma semana depois de começar, chegou à conclusão que o ginásio não era para ele e que o que ele necessitava era de algo diferente, que o incentivasse e que o obrigasse a mais algum exercício físico para além do jogging aos sábados de manhã no Green Park. E depois daquela saída com Mara e Daniel, em que passaram a noite a dançar, ele não teve dúvidas de que aulas de dança seriam muito mais divertidas do que o ginásio.
- Antes sequer de suspender a minha inscrição no ginásio, vi que havia possibilidade de trocar por aulas de salsa – explicou John, com o seu habitual bom humor – então nem pensei duas vezes: resolvi ‘salsar’ duas vezes por semana, que sempre tinha mais interacção física e serviria para conhecer miúdas giras! E aqui estamos nós! Numa coisa eu tinha razão… há sempre miúdas giras com quem dançar e hoje não foi excepção!
Mara bateu-lhe instantaneamente na perna com a sua toalha e riu-se com ele, cansada da aula, mas extremamente satisfeita e agradavelmente surpreendida com o seu novo e inesperado parceiro de dança. Depois de trocarem dois dedos de conversa, encaminharam-se juntos para os balneários.
- A propósito – disse John antes de entrar no balneário masculino – tens algum plano para hoje à noite
- Não tenho nada combinado – disse Mara, pensando que o que ela tinha planeado para aquela noite era um programa caseiro, com pizza e um filme, no sofá lá de casa.
- Então talvez pudéssemos jantar juntos, o que achas? – perguntou John, despretensiosamente. – Eu também não tenho nada combinado, mas podemos comer qualquer coisa e se ainda tivermos capacidade e coragem depois, ir ao cinema ou dar um daqueles passeios nocturnos de que tu tanto gostas...
Mara sorriu e disse-lhe que o acompanharia com todo o gosto. Ainda com um sorriso na boca, entrou no balneário e constatou que, pela primeira vez em muito tempo, estava ansiosa por alguma coisa.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

9- A Primeira Aula

Mara chegou cedo demais à sua primeira aula, ansiosa por voltar a dançar. Secretamente nutria a esperança de que a Salsa lhe trouxesse Daniel para mais próximo de si. Mas, simultaneamente, tinha medo. Nenhum par estaria à altura de Daniel.
Deixou-se ficar enterrada no confortável sofá de couro preto da recepção do estúdio tamborilando nervosamente com os dedos sobre a sua saia vermelha. Começaram a chegar mais alguns participantes, alguns equipados a rigor, provavelmente já experts no estilo, outros equipados como se fossem fazer jogging no Hyde Park. Mara sentiu-se aliviada por ter conseguido encontrar o meio termo e não ser a deslocada da turma. O professor, com longos braços e pernas, tinha um ar delicado e simpático quando os instruiu a entrar voltando-se para o grande espelho que a todos reflectia.
Pediu que se organizassem em pares, sendo que a turma tinha homens e mulheres em igual número. Mara varreu a sala com o olhar à procura de um par. Mas, quando se apercebeu de que quem procurava, na realidade, era o rosto meigo e familiar de Daniel, já quase todos tinham o seu par. Um último participante entrava na sala e Mara reconheceu-o. O que fazia John ali no Soho? Na sua aula avançada de salsa? Ela nem sequer sabia que ele dançava! John sorriu-lhe visivelmente feliz por a ver ainda sem par e seguiu para junto dela. Sem alternativa ou levada por uma inércia inexplicável, Mara agarrou a mão que John lhe estendeu.
Como à partida já todos tinham umas noções de Salsa, o professor iniciou o curso com um exercício diferente, dança livre ao som do ritmo cubano para criar empatia entre os alunos. Alguns aspirantes a dançarinos esforçavam-se por exibir os seus conhecimentos de um modo exagerado, John segurava Mara pela cintura com uma mão obrigando-a a seguir os seus movimentos oscilando as ancas, sapateando o chão de madeira com os seus altos tacões.
Mara ainda não estava em si! Ao inicio ficou surpreendida com a garra e habilidade de John para a Salsa, depois estranhou os seus movimentos, eram diferentes dos de Daniel, não menos graciosos, mas diferentes. Por fim sentiu-se entrar no ritmo da música animada, deslizando pela sala nos braços de John, entregando-se ao súbito frenesim de alegria e agitação que subia às suas faces em tom rosa.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

8- Conversa de amigas

- Vais mesmo para a frente com essa ideia, amiga? – perguntou  Anna quando Mara lhe telefonou com as notícias de Daniel e lhe contou das aulas de salsa.
- Estou decidida! Já há algum tempo que quero fazer algum exercício, e já sabes como eu sou com os ginásios… ao fim de uma semana de disciplina, simplesmente desisto! – explicou Mara decidida a não revelar as suas verdadeiras razões – Tens a certeza que não queres vir comigo? Vai ser super divertido…
- Tu sabes bem, que se a minha barriga deixasse, eu até ía correr a Maratona de Londres contigo!  Logo eu, que odeio qualquer actividade física que não seja uma bela noite de sexo com o Allan! E vê no que resulta essa minha preferência por actividades nocturnas e noites loucas de paixão e prazer: 35 anos e o 4º filho a caminho! – Mara ria às gargalhadas com o à vontade com que Anna encarava a sua vida e a descontracção com que falava da sua relação feliz e preenchida com Allan e dos seus filhos. Anna era um exemplo para Mara. Ela gostava de um dia ter uma relação feliz como a dela, uma vida preenchida e uma família maravilhosa. – Mas enfim. É o que temos, e quem anda à chuva molha-se! Pode ser que depois do parto, ou seja, daqui por mais uns 4 meses, eu me resolva a acompanhar-te! Afinal, preciso de algum ‘salero’ na minha vida, e o Allan pode bem ficar com os miúdos duas vezes por semana para eu espairecer com a minha melhor amiga!
Mara tivera a felicidade de conhecer Anna assim que chegou a Londres para terminar o curso e a empatia foi imediata. Anna estava a tirar a terceira licenciatura e estava grávida pela primeira vez, embora ainda não o soubesse. Mara e Daniel chegaram a partilhar o tecto com Anna, uma vez que ela habitava uma casa, nas suas palavras, ‘gigantesca e absurdamente vazia’, que os pais lhe tinham comprado em Notting Hill. Apesar de Anna ter crescido no meio de uma família ‘pseudo-aristrocática’, como ela gostava de lhe chamar, e ter tido desde sempre muitos privilégios e conforto financeiro, ela não se regia por esses valores, e considerava que tudo o que tinha era uma dádiva a ser partilhada com os outros! Na altura, tinha sido muito conveniente para Mara e Daniel a oferta de Anna, pois como estudantes emigrantes, qualquer poupança que pudessem fazer era ouro sobre azul, mas as circunstâncias e outros acontecimentos que se seguiram, deram origem a uma amizade profunda. Principalmente entre Anna e Mara.
 Allan e Anna estavam juntos há pouco tempo, quando Mara e Daniel os conheceram. Assim que Mara os viu juntos soube que era um amor inquestionável. A forma como ele olhava para ela, os gestos de carinho que trocavam sem serem excessivamente melosos e as ‘conversas’ que eles tinham com o olhar, sem precisarem sequer de trocar uma palavra tinham-na fascinado e eram o motivo de uma inveja saudável – Mara queria um dia conseguir ter o mesmo na sua vida. Secretamente ela sonhava conseguir ter algo semelhante com Daniel. Algo mais para além da forte amizade que os unia.
- Mas mudando de assunto … como te sentes? E não adianta começares com manobras de diversão, porque sabes muito bem ao que me refiro… - perguntou Anna, sem mais delongas.