As coisas não acontecem por acaso… excepto este nosso novo blog!

Somos duas colegas ‘de números’ que partilham uma paixão comum: a escrita! Ambas gostamos de escrever e de ‘devorar’ livros como se não houvesse amanhã e, numa conversa que pensávamos ser inconsequente, desafiámo-nos uma à outra para escrever ‘Histórias a Quatro Mãos’…

O que nos propomos fazer é muito simples: vamos escrever histórias, em parceria improvável, testando os limites e a imaginação de cada uma. Cada uma de nós vai ser desafiada pela outra a dar seguimento a uma narrativa, cujo final será sempre um mistério, quer para as autoras, quer para os leitores.

Convidamos os nossos seguidores a irem opinando sobre o que vão lendo e dando sugestões.

Esperamos que seguir este blog seja uma experiência tão interessante quanto certamente será escrever tudo o que aqui irão ler!

segunda-feira, 25 de março de 2013

7- O Primeiro Dia

O primeiro dia sem Daniel por perto não fora fácil para ela, mas a expectativa de começar em breve as aulas avançadas de salsa, de certo modo, dava-lhe ânimo. No telefonema que recebera antes da hora de jantar, decidira não contar nada sobre o curso a Daniel e muito menos do aperto que sentia no peito. Ele precisava do seu apoio para conseguir seguir em frente e vingar no novo projecto. Precisava concentrar-se na sua aventura e não ficar preso ao que havia ficado para trás.
- Correu bem o voo? Que tal a sensação de chegar ao outro lado do Atlântico?
- Correu bem, Mara. Estou cansado e com dores nas costas, mas a temperatura daqui compensa.
- Pois, bem mais amena que aqui, imagino – continuou Mara, fazendo um esforço sobrenatural para que a sua voz suasse o mais natural possível.
- Bem mais! Desculpa não falar muito, mas agora vou ter de ir dormir, Mara. Amanhã vou ter um dia em cheio e quero começar com energias carregadas
- Ok – respondeu Mara com uma lágrima a escorrer-lhe pelas faces. Não queria deixar de ouvir a sua voz. O nó subira-lhe à garganta parecendo sufocá-la.
- Avisa o pessoal aí que cheguei bem e que mando noticias assim que assentar. Fica bem, Mara.
- Tu também. Vai ligando quando puderes.
Quando desligaram a chamada, Daniel ia já deitar-se. No Rio de Janeiro era bem mais tarde que em Londres. Mara não conseguiu evitar a torrente de lágrimas que se soltaram. Deixou-se chorar enrolada no sofá da sala até não ter mais lágrimas. Sem vontade para jantar, aqueceu um chocolate bem espesso e entregou-se ao prazer de o sentir deslizar aquecendo-a por dentro, compensando em parte o vazio que sentia.
No dia seguinte teria um dia atarefado na Booky com muitos projectos simultaneamente em fase final. Mas ao final da tarde teria a primeira aula de Salsa no Soho. Fixou-se nesse pensamento, planeando mentalmente a roupa que combinaria e revendo o plano de aulas que os organizadores lhe haviam enviado. Sem o seu par habitual, Mara teria de encontrar um novo parceiro e esperava que ele estivesse à altura. Nunca seria como dançar com Daniel, mas era com isso que nessa noite sonharia.

sexta-feira, 22 de março de 2013

6- Reflexões...

Ao ler o e-mail de Anna, John recostou-se na sua cadeira e passou as mãos pelo cabelo. Aquilo que inicialmente lhe parecia ser uma excelente ideia, começava a dar-lhe algumas dores de cabeça e alguns remorsos. Mara era uma excelente profissional e, no seu entender, era a pessoal ideal para estar ao seu lado na concretização do projecto de arranque da sua editora. Ela sem dúvida tinha uma vasta experiência na área do design editorial e, combinado com o talento de John como editor e ‘caça-talentos’ literários, seriam uma dupla imbatível à frente da Booky. Secretamente, John nutria por Mara mais do que uma admiração profissional – fora tão fácil apaixonar-se por ela!
Ao fazer uma retrospectiva, John recordou que foi quase amor à primeira vista, apesar de ele próprio só se ter dado conta mais tarde, num jantar de amigos, em que teve uma crise de ciúmes quando Mara apareceu com Daniel e o apresentou ao grupo como sendo o seu melhor amigo. Ele percebeu logo no primeiro momento que Mara e Daniel tinham uma relação especial, e que ele jamais conseguiria competir com ele. Os olhares que trocavam, as piadas privadas que os faziam rir só a eles – John invejava essa cumplicidade.
Quando John convidou Mara para a Booky, sentiu que finalmente conseguiria ter alguma coisa em comum com ela, para além da forte amizade que já os unia. Uma chama de esperança acendeu-se quando, com o passar do tempo, ele foi percebendo que Mara estava a ‘adoptar’ este seu projecto também como seu e que tinha assumido um compromisso perante ele e a editora – que estaria envolvida e com ele na Booky até ao fim! E fora por isso que Mara nunca ponderara ir com Daniel. Fora por isso que Mara havia ficado. E era por isso que John estava a ler aquele e-mail de Anna e não conseguia ficar em paz consigo mesmo – Mara estava arrasada!

sexta-feira, 15 de março de 2013

5- Anna

John,
A Mara ligou-me ontem à noite. Pela primeira vez, em toda a nossa amizade, tive dificuldades em fazê-la parar de chorar. Só ao fim de alguns minutos percebi o que se havia passado. Todos já sabíamos que este dia iria chegar, mas, realmente, muitas vezes só nos apercebemos da dimensão dos nossos mais profundos sentimentos quando o momento chega.
Achei estranho o Daniel não ter concordado com a festa de despedida que sugerimos. Talvez não tenha sido, para ele, uma verdadeira celebração na plenitude do sentido da palavra. Eu sei que ele está genuinamente feliz com a nova oportunidade e curioso quanto ao país, mas havia algo de sombrio no seu olhar, ontem, quando me despedi dele à porta do Pub. Ele falou-te de alguma coisa? Chegaste a falar com ele?
Da conversa com a Mara apercebi-me de algo que queria partilhar contigo, por isso te envio este email. Espero que não leves a mal, John. Ela desabafou, por entre suspiros e lágrimas, um monte de lamentações confusas e no meio do telefonema surgiu o teu nome. Algo a ver com o teres-lhe arranjado o emprego na Booky que ela tanto adora, que te deve imenso, que não te pode abandonar agora, que precisas do apoio dela. Fiquei a matutar nas suas palavras alguns instantes depois de ter pousado o telefone. Num momento como estes, tão difícil para ela, parecia que eras o único motivo a prendê-la aqui. Não sei o que se passa contigo ou com vocês para que ela pense e se sinta assim, mas peço-te que ponhas a mão na tua consciência e avalies bem o teu papel no meio desta história. Desculpa a sinceridade, mas já sabes como sou.
Pensa no que te digo e, já sabes, se precisares de falar comigo sobre isto ou outro assunto liga-me. Ou podemos marcar um almoço na próxima semana se puderes. Talvez seja boa ideia convidarmos a Mara, a ver se ela se distrai.
Beijos
Anna

quinta-feira, 14 de março de 2013

4- Daniel

Ao entrar no avião, Daniel sentiu que tinha deixado ficar para trás um pouco da sua alma. Ele sabia que o futuro finalmente se apresentava risonho e que esta era a oportunidade da sua vida, mas ao mesmo tempo tinha plena consciência do que tinha deixado para trás. Mara. Era impossível para ele sentir-se em paz quando se tinham separado com tanto rancor, com tanta amargura. Ele conseguia de certa forma compreender: ele estava a avançar, enquanto ela se sentia encurralada na sua vida e impotente para tomar a decisão de mudar. Mas nunca antes tinha havido rancor, desilusão ou qualquer outro sentimento negativo entre eles.
- Tu bem sabes que eu não posso ir contigo. Não posso simplesmente partir, esquecer tudo e começar de novo. Não é justo para com ele... não o posso abandonar assim, não depois de tudo o que ele fez por mim… não agora…
Aquelas palavras de Mara ressoavam sem parar na sua cabeça. Ele tinha consciência de que mudar seria um passo difícil de tomar para ela, e sentia-se egoísta ao tentar aliciá-la nesse sentido mas, acima de tudo, o que ele desejava profundamente era que ela o pudesse acompanhar nesta mudança.
Daniel reclinou-se no seu assento do avião e uma pequena lágrima escapou-se-lhe pelo canto do olho. Desejou que a pessoa que se sentasse ao seu lado não quisesse meter conversa, pois ele precisava das 9 horas da viagem para pôr alguma ordem nos seus sentimentos e nos seus projectos.

3- É a minha vez...

Agarrou-se então ao nascer de sol a que assistia desolada e reconfortou-a saber que, do outro lado do Atlântico, Daniel veria o mesmo sol, apenas com diferente intensidade. Mara sentia os raios de luz aquecê-la lentamente e seu corpo ia acordando. Quando se via já todo o sol, como um círculo perfeito, ela levantou-se, inspirou bem fundo até lhe doerem os pulmões e decidiu-se. Teria de fazer algo que afastasse a sua mente de Daniel, o seu amigo de sempre, algo animado que ocupasse todo o seu tempo livre (bom, quase todo). Enquanto caminhava sem destino pelas ruas ainda desertas questionava-se que ocupação seria essa. Ela queria algo que levasse seus pensamentos para longe, melhor seria se deixasse de pensar, mas que não afastasse de todo seu coração de Daniel. Parou à porta de uma encantadora pastelaria, com uma montra que lhe apetecia devorar, e viu colado no vidro um cartaz que anunciava abertas as inscrições para aulas avançadas de Salsa. Mara não conseguiu evitar o bombear acelerado que saltava do seu coração magoado. Seria uma boa forma de mergulhar no espírito alegre da Salsa e transpirar, deixando sair por todos os poros do seu corpo a saudade imensa. Tantas vezes Daniel dançara com ela, nos corredores da faculdade se tinha boa nota num exame, no parque nas tardes de verão, em todo o lado, em qualquer ocasião. Mas para ele a Salsa estava-lhe no sangue. Para estar à altura dele, Mara precisava efectivamente daquelas aulas avançadas. Quem sabe um dia dançaria de novo com ele, surpreendendo-o! Apontou o número que vinha a amarelo fluorescente no cartaz e entrou na pastelaria, precisava com urgência de um café forte e um doce bem grande antes de fazer o telefonema.

quarta-feira, 13 de março de 2013

2- e continua...

Embrenhada na sua própria dor e fulminada pelo aperto que sentia no peito da saudade imensa que já sentia, Mara repassava na sua cabeça a noite anterior – a noite da despedida. Tinha sido a noite em que ela evitara pensar nos últimos 6 meses, desde que Daniel lhe tinha alegremente anunciado que aceitara finalmente aquela proposta de trabalho e que estaria de partida para o Brasil dentro de pouco tempo. Desde esse dia Mara sentira-se posta de parte. Sabia que por muito que sonhasse e que se imaginasse a sobrevoar o Atlântico com ele, a embarcar nessa aventura imensa e a passarem o resto das suas vidas juntos - uma tão desejada continuidade da sua vida como tinha sido desde os seus 6 anos até aí - Mara não se atreveria. Mara não podia. Era uma inevitabilidade.
Desde o dia do anúncio, houve um pacto silencioso entre os dois – nenhum deles iria sofrer por antecipação nem falar do derradeiro momento, aquele em que teriam que se despedir. Mara imaginou várias vezes, principalmente durante as longas noites acordada depois do anúncio, como seria a sua despedida. O que diria a Daniel. Pensou se valeria a pena dizer a Daniel o que sentia. Pensou se ele já não saberia há muito tempo o que ela tinha para lhe dizer. Mas ainda assim ele partira, e a sua despedida deixara um sabor amargo na boca de Mara – na noite anterior haviam sido ditas muitas coisas, mas não aquilo que deveria ter sido dito.
Mara queria esquecer. Mas queria recordar. Ela precisava de se agarrar a qualquer coisa para poder continuar. Sem ele.

1- E assim começa...

Mais um amanhecer de domingo na cidade que ainda dormia. Era uma manhã fresca de primavera igual a todas as outras. Ouviam-se os pássaros num despertar agitado, as flores espreguiçarem suas pétalas e apenas Mara naquele jardim. Para ela, este não era um domingo qualquer!
Sentada sobre a relva húmida, abraçada às suas próprias pernas, ela fundia suas lágrimas com o orvalho da manhã. Perdida num passado avassaladoramente recente viu o sol nascer, lá ao fundo, vindo do outro lado do globo, onde ela tanto desejava estar.
A noite que não conseguia deixar passar ecoava na sua cabeça, todos os gritos desatinados, desabafos, todas as palavras amargas da despedida. Mara ansiava esquecer essa noite e, se não o conseguisse, queria esquecer todas as outras que estavam para trás. Era agora bem mais doloroso recordar os jantares junto á lareira, as corridas à beira rio, as salsas dançadas até não poder mais e, principalmente, os sorrisos. Ai, os sorrisos! Fossem as lágrimas da noite passada um infinito oceano, mas nunca a magoariam tanto como a imagem gravada daquele sorriso.
Ali, naquele jardim deserto de gente, apinhado de fragrâncias e cores, ela aguardava um sinal. Um som, um toque, uma luz que a fizesse querer voltar a viver. Viver sem o que até aí era toda a sua vida!